Aqui me encontro, com o pescoço doendo. Podia dizer que esse pescoço não é resultado de movimentos exagerados de ontem à noite. Eu nem me diverti. Essa dor, por ser uma dor, pode representar qualquer coisa: o descaso que eu tenho com a minha saúde. Eu fico aqui sentido que estou sempre prestes a chorar, e culpo meu remédio. Mas acho bom. na verdade eu agora acho que não podemos tirar nosso crédito quando estamos alterados por alguma coisa externa. ou interna. sempre estamos alterados. é sempre por uma coisa alheia, como se até nós fossemos alheios.. aff. Fico às vezes vendo o quanto eu não vivi. O quanto eu perdi. O quanto eu não conheço muitos nomes de árvores. O quanto eu não beijei, o quanto eu não. Ainda, a vontade que eu tenho é de pegar o mundo inteiro e colocar na minha boca. e comer. mas sabe de uma coisa?, eu sinto ele aqui já entalado na minha garganta, sempre presente, sempre doendo. não quero tirar ele nunca daí. Cheguei à conclusão (aliás, tenho chegado a muitas conclusões nos últimos anos) que todo mundo, independente do que faz, independente do que não faz, e independente do que conhece, é passível de sentir as mesmas coisas, e sente as mesmas coisas, e que (essa é outra conclusão) eu sou muito parecido com todo mundo. Eu não sabia que eu podia ser entendido, e talvez tenha descoberto isso quando calei as vozes dos outros e me dei por entendido da voz de alguém. É uma questão idiota de auto-estima, no final das contas, já que é o mundo tudo aquilo que você faz dele. De repente as pessoas simples (isso foi um eufemismo com fins de escárnio) tem por isso mesmo um mundo muito simples (não pejorativo), e eu aqui sofrendo, vai ver quem sente dor é pedante, vai ver é melhor não sentir dor pelo que não existe, pelo que não foi vivido, por quem não se conheceu, vai ver eu devia calar a boca.